Banda uniu gerações com discursos afiados e em defesa de lutas sociais no Allianz Parque, em São Paulo
"Modernizar o passado, é uma evolução musical". O início de "Monólogo Ao Pé Do Ouvido", do Nação Zumbi, talvez seja o que melhor define e o resumo perfeito para o que o Titãs fez em São Paulo e vem fazendo ao longo de sua turnê pelo país. Não se trata "apenas" de celebrar os 40 anos da banda, mas também de reviver a história contada e cantada com o bom e velho rock n' roll.
Ver o Allianz Parque cheio por três noites seguidas, o que soma um público total de 150 mil pessoas, explica a grandeza da formação clássica do Titãs e sua importância para o rock na década de 1980 e para os tempos atuais. Arnaldo Antunes, Nando Reis, Charles Gavin, Paulo Miklos, Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto seguem afiados e entrosados até mesmo nos lugares que ocupam em cima do palco, como 4 décadas atrás.
Se em seus primórdios a banda protestava contra os abusos da ditadura brasileira e seus militares, agora é Bolsonaro e seu governo negacionista que recebem as duras críticas das tão famosas letras que rompem gerações e que, infelizmente, seguem tão atuais. Em "Nomes aos bois", Nando Reis inclui o nome do ex-presidente no momento em que cita políticos. São lembrados também Plínio Salgado, Garrastazu Médici, Alberto Pinochet, Idi Amin, Ronald Reagan, Adolf Hitler, Papa Doc, Baby Doc, entre outros.
Em outra fala que antecede o clássico "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", Nando ressalta que as músicas compostas pelo Titãs na década de 1980 representam os acontecimentos atuais do país. "O Brasil, logo depois da redemocratização, quando basicamente começamos, tinha ali uma promessa de futuro, tinha uma sombra de passado, uma perspectiva. E, de certa maneira, vivemos um quadro aterrador nos últimos quatro anos que faz com que esse reencontro tenha também conexão com o momento onde escrevemos aquelas canções. Por isso, elas estão ainda mais fortes, mais firmes, atuais e expressam aquilo que sempre acreditamos e estamos aqui para reiterar".
Claro que há críticas por parte de alguns que se dizem "fãs", mas isso se deve ao fato de nunca terem entendido as mensagens da banda, que corretamente ignora essa minoria e segue firme com seus recados.
Ao final dos shows, a exibição de uma bandeira LGBTQIAP+ por parte dos músicos ganha destaque com aplausos do público e reforça o engajamento da banda, que mostra que não parou no tempo, que sempre teve posicionamento e que não sente vergonha alguma disso. Aquela "rebeldia" jovem do início da carreira segue firme e atualizada para as nossas questões sociais, como disse Nando, e foi esse entendimento dos problemas da população que fez o Titãs um dos responsáveis por nortear o rock brasileiro, sendo inspiração para muitas bandas.
Não, o Titãs não trouxe o rock de volta. O estilo musical sempre esteve por aí ao longo dos anos, no underground (na maior parte do tempo) e com alguns lampejos no mainstream, com o próprio Titãs e sua formação reduzida, com seus integrantes clássicos em carreiras solos e com bandas das décadas de 1990 e 2000. Mas o que o Titãs faz é mostrar que é possível manter sua essência ao modernizar seu passado.
E se os Titãs serviram e servem de exemplo para muitos, eles também têm lá suas referências e fazem questão de homenageá-las nas apresentações. Marcelo Fromer, integrante da banda que morreu em 2001, é lembrado nas músicas "Toda cor" e "Não vou me adaptar", com sua filha Alice Fromer nos vocais. Ela ainda faz parte de outro momento emocionante no palco: "Ovelha Negra", de Rita Lee, dedicada à cantora que nos deixou no dia 8 de maio.
E não para por aí. Outros grandes nomes também são lembrados pelo Titãs. "Go Back" é cantada em memória de Torquato Neto, poeta brasileiro, jornalista, letrista de música popular e experimentador ligado à contracultura que faleceu em 1972. Já o Tremendão Erasmo Carlos é homenageado com a música "É preciso saber viver".
Assim é o Titãs, uma referência com suas referências. Uma banda que sempre se manteve alinhada às discussões e condições sociais da população. Rock n' roll. Viva Titãs.
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